Sunday 13 April 2014

Movimento



Movimento

“Estamos a olhar para as nuvens”, disse-me um dos meus dois filhos. Estavam os dois deitados, em cima de uma grande caixa de madeira que guarda peças gigantes de xadrez, na área de recreio da escola secundária da nossa localidade.


Estavam à minha espera. Eu estava dentro da biblioteca que fica junto da escola e aproveitava para trocar livros e dar uma vista de olhos nos livros das estantes. Tinham vindo nas suas bicicletas e muito rapidamente tinham desaparecido do meu campo visual. Eu tinha vindo a pé.


Algum tempo atrás era eu que esperava por eles.


Quando o nosso filho mais novo fez quatro anos decidimos, baseando-nos no que tinha feito o mais velho, retirar-lhe da bicicleta os estabilizadores, mas ele não estava preparado para usar a bicicleta sem o apoio das duas pequenas rodas. Caiu várias vezes e acabou por desistir da bicicleta e passou a andar somente na trotinete, que sentia que podia controlar.

Agora, com cinco anos de idade, já anda novamente na bicicleta e adora pedalar rápido junto do irmão mais velho.


Eu gosto de andar a pé e gosto também de andar na companhia dos dois, mas por vezes o meu ritmo é rápido demais para as suas pequenas pernas e o mais pequeno pede-me por vezes para parar.


Algumas décadas atrás as crianças quando olhavam para o céu não imaginavam que um dia podiam passar a atmosfera terrestre e alcançar o espaço num foguetão.
Voar ainda não é uma realidade para todos os habitantes do nosso planeta, no entanto tem crescido rapidamente o número de pessoas que o podem fazer.

A meu primeiro voo foi feito quando tinha 18 anos, num voo curto do Porto para Lisboa. Recordo-me que fiquei impressionada com a rapidez do avião e com a capacidade de um corpo tão pesado poder movimentar-se assim no céu. Uma viagem que demorava horas de carro ou de comboio foi feita numa hora.


Os meus dois filhos começaram a voar dentro de mim. Não sei que memórias têm dessas experiências e que efeito pode ter tido a rápida mudança de pressão atmosférica nos seus corpos. As suas experiências de voo começaram muito cedo.


No entanto têm que respeitar o desenvolvimento natural dos seus corpos, mas a tecnologia ajuda-os a alcançar coisas mais facilmente e a sua curiosidade ê como o céu por cima das suas cabeças: sem limites. Os únicos limites são aqueles que criamos dentro de nós.


Recordo-me também da minha primeira experiência na montanha russa e das sensações fortes da velocidade. Quando conduzo, com os meus filhos sentados no banco de trás, eles pedem-me por vezes para ir mais rápido, mas como condutora sempre fui cuidadosa e agora, com crianças, ainda redobro esse cuidado. Mas admito que também gosto de conduzi er por vezes um bocado mais rápido, com a música a preencher o espaço do interior do carro. A velocidade dá de facto sensações fortes.


O meu filho mais velho teve sempre interesse por máquinas. Tem uma paixão por carros e sabe de memória vários pormenores técnicos sobre eles. Por vezes digo-lhe na brincadeira que ele podia ser já um vendedor de carros e penso que ele até nem se importava. O seu pai também gosta de carros e é um entendido sobre o assunto. Eu também gosto de carros mas não lhes dou tanta atenção. O meu pai, que tem 73 anos, gosta tanto de carros que tem dois, dois modelos económicos e um deles sou eu que o uso, mas penso que se pudesse teria um carro mais caro e consequente mais veloz. E é o meu pai que conta aos meus filhos que na sua infância tinha que andar muitas horas a pé e que fazia os seus próprios brinquedos com coisas simples. Agora ele não anda assim tanto mas conduz muito e penso que vai ser miserável o dia em que tiver que o deixar de fazer.


Comparando com o meu irmão, eu não fui encorajada a ser tão empreendedora como ele e enquanto o meu irmão aprendeu a conduzir com o meu pai antes da idade legal de ter a carta de condução eu tive que esperar mais alguns anos. Mas também tinha vontade de conduzir e quando comprei o meu primeiro carro o meu coração ficou num modelo mais veloz, mas infelizmente caro demais para mim.
A sociedade portuguesa tem mudado muito e fui eu, a rapariga, que começou a fazer viagens para locais mais distantes. Primeiro como turista e depois como emigrante. O meu irmão acabou também por se tornar também um emigrante e ir para África, mas antes disso trabalhou durante algum tempo como motorista de um camião, viajando por vários países da Europa. Os meus filhos ficaram muito impressionados com o tamanho do camião que ele conduzia. No entanto sou eu que tenho o recorde da viagem mais longa como turista: Macau e também da estadia mais longa no estrangeiro, desde 2002, mas confesso que não me via a conduzir um camião nas autoestradas da Europa.


Dentro das cabeças dos meus poucos mais do que um metro filhos, o céu não precisa de ter nuvens. O mais velho, que tem oito anos, já me pergunta se pode conduzir o meu carro e sabe que o Concorde é o avião mais rápido do mundo, mas que parou de voar por ser muito expendioso. As viagens que os meus filhos vão desenhando dentro das suas cabeças podem um dia tornar-se realidade e assim o espero desde que eles nunca fiquem fora do meu alcance : ).


Texto e ilustração da autora

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